No último dia 18 de julho de 2023, Indianara Ramires Machado, enfermeira e aluna do curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Fisiopatologia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), defendeu sua dissertação, intitulada “Análise interdisciplinar e intercultural sobre as pessoas vivendo com Vírus da Imunodeficiência Humana e a Síndrome da Imunodeficiência na população Guarani da Terra Indígena de Dourados em Mato Grosso do Sul”.
Esse é o primeiro título de pós-graduação stricto sensu no nível de mestrado concedido a uma indígena pela Faculdade de Medicina da USP, em seus 110 anos de existência. A aluna foi orientada e coorientada pelas Professoras Colaboradoras Maria de Lourdes Beldi de Alcântara e Cláudia Maria de Castro Gomes, do Laboratório de Patologia das Moléstias Infecciosas, LIM/50 do Hospital das Clínicas da FMUSP.
“As populações indígenas são as principais afetadas pelas doenças negligenciáveis, sendo assim, a Pós-Graduação em Fisiopatologia Experimental dá suporte ao desenvolvimento de modelos experimentais e privilegiar abordagens inter e transdisciplinares para investigar aspectos fisiopatológicos de doenças. As disciplinas de Grandes Endemias e a Antropologia Médica nos ajuda a entender isso”, declarou Indianara Ramires Machado.
A Profa. Maria de Lourdes Beldi de Alcântara contou que atua na Reserva Indígena de Dourados, no Mato Grosso do Sul, desde 1999, e viu a Indianara crescer. “Eu trabalhava com as irmãs dela, que trouxeram a Indianara, que já é da segunda geração de jovens que entrou para a ONG e eu a conheci com 11 anos de idade”.
Indianara entrou no curso de graduação de Enfermagem da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), em 2008, quando ainda não existia a Lei de Cotas para ingresso no Ensino Superior. Na sequência, ela fez duas especializações, uma em Obstetrícia Multidisciplinar e, a outra, em Saúde Indígena. No mestrado, já na FMUSP, Indianara pediu a Profa. Maria para ser sua orientadora, que diz: “eu aceitei com muita honra. Ela é uma batalhadora, muito esforçada, a começar pela dedicação ao inglês, porque para os indígenas não faz sentido aprender esse idioma, mas é uma exigência do mestrado e ela conseguiu. Além disso, ela escolheu um tema muito importante para a dissertação, inserido em doenças silenciosas que precisam de políticas públicas e culturais, a AIDS/HIV vem de fora da comunidade indígena, é estigmatizante e mostra um processo de cultura diferente”.
A Profa. Maria de Lourdes, pesquisadora e consultora do International Work Group for Indigenous Affairs e do Fórum Permanente das Questões Indígenas da ONU, destaca que Indianara também a acompanha pelo mundo. “Muito sociável, disponível para apreender e com experiência internacional, Indianara tem bagagem e sabe se defender muito bem, ela exerce a cidadania. E, o principal, a mora na reserva, trabalha dentro da comunidade e fala a língua deles. Então, ela é a nossa interlocutora e pode traduzir e ensinar aos médicos o que é saúde para os indígenas”.
Para projeto de pesquisa, Indianara buscou formular perguntas de pesquisa que abordassem tanto o aspecto médico quanto o aspecto cultural do problema. “Os professores me acolheram muito bem e incentivaram a pesquisa, principalmente o Dr. Carlos Corbett do Laboratório de Patologia das Moléstias Infecciosas (LIM/50). As Professoras Dra. Elia Tamaso Espin Garcia Caldini, Dra. Márcia Dalastra Laurenti bem como a minha orientadora e a coorientadora”, disse Indianara.
A pesquisadora relata como se sente por ser a primeira indígena a formar em um curso de mestrado na Faculdade de Medicina da USP: “as conquistas indígenas sempre são conquistas coletivas, demandam lutas, resistências e competência. A pós-graduação para os indígenas ainda é recente, espero que muitos indígenas venham ocupar os espaços das universidades. Fico feliz e honrada com a finalização dessa etapa, mas, tenho plena consciência que há muito que avançar em relação aos Povos Indígenas no Brasil, principalmente no que tange à pesquisa”. Indianara ainda complementa e deixa uma mensagem para outros indígenas que queiram entrar no Ensino Superior e até fazer pós-graduação:“é preciso avançar, embora haja medos e desafios. Que a força dos nossos ancestrais nos encoraje. Aguyjevete!”.
Indianara Ramires Machado
Formada na UEMS em 2011, trabalhou no hospital da Missão Caiuá como enfermeira assistencial até junho de 2013, fez o processo seletivo para enfermeira assistencial da Secretaria Especial de Saúde indígena (SESAI), posteriormente trabalhou na Unidade Básica de Saúde Indígena Ireno Isnarde. Em 2016 foi chamada para compor a Coordenação Técnica do Polo base de Dourados da SESAI, onde ficou até 2020. Atua como apoiadora nas pesquisas em andamento da (Fundação Oswaldo Cruz de Mato Grosso do Sul (FIOCRUZ-MS) e da Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (FIAN). Além disso, é voluntária da Ação dos Jovens Indígena de Dourados (AJI).