“Investigamos o peso da ancestralidade, avaliada por marcadores genéticos, e da raça na cirrose agudamente descompensada grave, condição caracterizada por inflamação, falência de órgãos e alto risco de mortalidade em curto prazo”. O estudo foi promovido e patrocinado pela Fundação Europeia para Estudo do Fígado (EF-CLIF), em Barcelona (Espanha).
Ao longo de quatro anos, foram recrutados 1.274 pacientes para a pesquisa, que comparou um grande número de genes de pessoas com ascendência nativo-americana (indígena) com grupos de ascendência europeia e africana, todos com cirrose agudamente descompensada. “Nesse sentido, vale enfatizar que não nos limitamos a registrar somente as características raciais”, observa Farias. “Isto porque uma pessoa pode ter traços físicos de uma raça e parte da carga genética de outra, o que é muito comum em países com processos de formação como os latino-americanos, onde ocorreu miscigenação de povos”.
“Concluímos que a cada 10% de ancestralidade nativo-americana, ou seja, DNA de origem indígena, aumenta-se em 8% o risco de forma grave de cirrose. Se for 20%, aumenta para 16%, e assim por diante”, destaca o professor. “Qualquer pessoa que tenha ancestralidade genética indígena se enquadraria neste perfil e muitos sequer desconfiam”.
O estudo também avaliou se este resultado refletiria apenas a desigualdade de acesso a hospitais de ponta. “Não foi o que observamos, o que de fato pesou foi a ancestralidade. Provavelmente a ancestralidade genética está relacionada à deflagração de uma resposta inflamatória mais intensa”, aponta Farias. “Nosso próximo passo será estudar detalhadamente os genes envolvidos e propor terapias mais específicas”.
Segundo o professor da FMUSP, a possibilidade de identificar pessoas com maior risco de desenvolver formas graves de cirrose poderá ser levada em consideração para futuros programas de medicina de precisão. “Essa é a expressão usada para o cuidado e acompanhamento médico personalizado, de acordo com as características de cada pessoa. Isto resulta em diagnósticos mais precoces, tratamentos mais eficazes e, no final das contas, menor risco de morte”, ressalta. “Não somente o paciente se beneficiaria. As políticas públicas podem ser influenciadas pela medicina de precisão, levando à redução dos custos para o sistema de saúde.
”Farias também enfatiza que a quantidade de casos de cirrose poderia ser drasticamente reduzida com acesso à informação de qualidade. “Álcool, vírus e obesidade estão por trás da maior parte dos casos. Campanhas educativas sobre risco de álcool e seu consumo limitado, testagem contra hepatites virais e vacinação, estilo de vida saudável com controle do peso ajudariam a reduzir estas estatísticas”, afirma. “Poucas pessoas sabem que o Sistema Único de Saúde, o SUS, oferece testagem e tratamento gratuito para as hepatites virais”.